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Eu sei por que o pássaro canta na gaiola

Repostando uma resenha que publiquei no blog antigo em 20 de novembro de 2018 (dia da Consciência Negra), porque precisamos falar e voltar a falar de racismo até a sociedade entender que não dá mais para perpetuar essa violência. #blacklivesmatter #vidasnegrasimportam #blackouttuesday


Título: Eu sei por que o pássaro canta na gaiola 

Título original: I know why the caged bird sings 

Autora: Maya Angelou 

Ano de publicação: 1969 

Tradução: Regiane Winarski 

Editora: Astral Cultural; 1ª ed. (2018) 

Nº de páginas: 336 


Sinopse: Racismo. Abuso. Libertação. A vida de Marguerite Ann Johnson foi marcada por essas três palavras. A garota negra, criada no sul dos Estados Unidos por sua avó paterna, carregou consigo um enorme fardo,  aliviado apenas pela literatura e por tudo aquilo que ela pôde lhe trazer: conforto por meio das palavras. Dessa forma, Maya, como era carinhosamente chamada, escreve para se libertar das grades que foram colocadas em sua vida. As lembranças dolorosas e as descobertas da autora são eternizadas nas páginas desta obra densa e completamente atual.


Eu sei por que o pássaro canta na gaiola

"Eu aprendi que as pessoas vão esquecer o que você disse, as pessoas vão esquecer o que você fez, mas nunca esquecerão o que você fez elas sentirem."

Maya Angelou

A resenha de hoje foi pensada em detrimento do dia da Consciência Negra, mas antes de falarmos sobre a obra resenhada, vamos conversar um pouquinho sobre o que significa o feriado de hoje e o que ele representa para metade da população brasileira - assumindo que o lugar de fala da autora deste texto não é o mais adequado ao tema, e que o leitor fará muito bem em procurar por blogs e canais de escritores/as negros/as para se informar com mais propriedade.

O dia da Consciência Negra é comemorado no aniversário da morte (ou mais precisamente, do assassinato) de Zumbi dos Palmares: o último líder do Quilombo dos Palmares, localizado no atual estado de Alagoas, que lutou durante o período colonial para preservar o modo de vida dos africanos que conseguiram fugir da escravidão. Em outras palavras: um herói para um povo cujos heróis não foram escritos na história oficial. Para quem é branco, o dia de hoje pode não parecer muito significativo, apenas mais um feriado, afinal a população branca não tem a herança de opressão sofrida pelos afrodescendentes; mas é justamente aí que entra a importância da data: no reconhecimento da existência, da história, da luta, dos conflitos e da participação da população negra na sociedade; que em pleno século XXI continua a ser ignorada, discriminada, silenciada e violentada de todas as formas. Não se trata de vitimismo, não se trata de "mimimi". O Brasil é o segundo país com a maior população negra do mundo, mas segundo a ONU, sete a cada dez pessoas assassinadas no país são afrobrasileiras. Em contrapartida, apenas 12,8% dos estudantes de ensino superior são negros. "Mas precisa de um feriado para isso?" Precisa sim. A celebração oficial de uma data é uma forma de colocar o país inteiro para pensar em temas como o racismo, a igualdade social e a inclusão do negro na sociedade, dentre outros.

Isso posto, vamos à resenha de hoje. O livro selecionado se chama Eu sei por que o pássaro canta na gaiola, e é de autoria da escritora norte-americana Maya Angelou. É claro que eu poderia ter escolhido uma escritora nacional para homenagear, mas a questão é que nas últimas semanas, esse livro me caiu inesperadamente em mãos e desempenhou um papel muito importante na minha vida, a um nível pessoal, me fortalecendo, incomodando, emocionando e me fazendo refletir. Além disso, a leitura é tão incrível que simplesmente não dá para não indicar.

A obra - escrita em estilo autoficcional - conta a trajetória da infância até a adolescência da escritora, começando pelo período em que Maya e o irmão, Bailey Jr., foram enviados para uma cidadezinha chamada Stamps, onde seriam criados pela avó, num ambiente de escancarada segregação racial. A narrativa não segue uma sequência linear, mas funciona como um caderno de memórias, em que um episódio "puxa" o outro, apresentando os principais acontecimentos da vida de Maya, durante os quais a menina vai compreendendo aos poucos o mundo que a rodeia; fazendo uso ora de uma linguagem metafórica, ora de palavras duras e objetivas para expressar sua revolta contra a injustiça e a discriminação. Entre as tantas cicatrizes emocionais, a narração do estupro sofrido aos oito anos é uma das mais marcantes, pois depois desse acontecimento tenebroso, Maya se calou por cinco anos, durante os quais descobriu a literatura e o poder regenerador das palavras.

Hoje sabemos que o livro se trata de uma autoficção, pois mescla elementos da autobiografia com traços de escrita romanescos, mas na época de sua publicação, a obra desafiou convenções literárias e deixou bastante gente incomodada (chegando até mesmo a ser proibido em diversas escolas dos Estados Unidos). Felizmente, com o passar dos anos, Eu sei por que o pássaro canta na gaiola se tornou uma leitura obrigatória em diversas instituições de ensino norte-americanas, foi traduzido para muitas línguas e conquistou seu lugar de direito nas livrarias e bibliotecas. Ao longo de sua vida, Maya se tornou um símbolo de luta, resistência e representatividade para diversas meninas e mulheres negras, que até o momento ainda não tinham sido descritas com verdade literária e profundidade psicológica por nenhum(a) escritor(a) no país. O sucesso e as polêmicas levantadas pela obra impulsionaram a carreira de Maya Angelou, que escreveu outros seis livros de caráter autoficcional, além de ter atuado na televisão e no cinema, em variados papeis. Em 2010, Maya recebeu das mãos do presidente Barack Obama a mais alta condecoração civil americana: a Presidential Medal of Freedom; e em 2014, sua morte causou uma grande comoção mundial.

"Uma infância de sofrimento e abuso a levou a parar de falar - mas a voz que ela encontrou ajudou gerações de americanos a encontrar o arco-íris no meio das nuvens, e inspirou o resto de nós a sermos o melhor de nós mesmos. "

Barack Obama.

Pensando no momento político atual, acredito que a leitura de uma obra tocante e profunda como essa é de especial importância, considerando a necessidade cada vez mais urgente de nos humanizarmos, nos ouvirmos com atenção e nos conscientizarmos para que não sejamos coniventes com discursos de ódio e intolerância. Precisamos entender que o racismo é um problema estrutural grave da sociedade brasileira, e que esse problema diz respeito a todos nós, enquanto membros de uma mesma nação. Não basta haver uma consciência humana, não dá para evitar o assunto, esperando que o problema desapareça magicamente. Precisamos reconhecer o quanto o mito da democracia racial é nocivo, enxergar o racismo que existe em nós, respeitar as lutas dos afrodescendentes e seus lugares de fala, repensar paradigmas, reconhecer privilégios e abrir mão deles em nome de um bem comum. Isso vai incomodar muita gente? Sim, com certeza. Mas metade da população brasileira está incomodada há muito mais tempo, num grau incomparavelmente maior. E o mínimo de empatia é indispensável para a vida em coletividade.


Maya Angelou

"Poucas pessoas podem chegar ao fim da vida e afirmar que não viveram só uma, mas várias, infinitas delas. Maya Angelou é um exemplo: atuou como cantora, poeta, jornalista, dançarina, atriz, roteirista, diretora... Presenteou o universo literário com sete autobiografias, três ensaios e diversos livros de poesia. Ao longo de cinquenta anos, protagonizou peças, filmes e produções televisivas, sendo a primeira mulher negra a escrever para uma produção de Hollywood. Recebeu incontáveis prêmios, títulos honorários e homenagens de presidentes americanos. Foi ativista dos direitos civis, lutou ao lado dos líderes sociais Malcolm X e Martin Luther King Jr. e foi amiga íntima do escritor James Baldwin."


Revista TAG Curadoria, setembro de 2018

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