Este artigo tem por objetivo apresentar algumas considerações acerca do conto “Mamãe”, de Lucia Berlin, inserido na coletânea Manual da faxineira, à luz de estudos sobre a autoficção; com destaque para o conceito de “narrativas de filiação”: um gênero voltado para a busca do eu, através da investigação da ancestralidade familiar. No conto analisado, podemos perceber a complexidade da figura materna, marcada pelo alcoolismo e pelo abuso psicológico, a partir do diálogo entre duas irmãs que buscam compreender a própria identidade, trocando histórias sobre a mãe. Ademais, procuramos discutir o papel da literatura na transmutação da vida em arte, além de estratégias para estabelecer conexões significativas entre autores e leitores. Abordamos, ainda, questões contemporâneas ligadas ao impacto da tecnologia na forma pela qual nos comunicamos, à solidão e ao narcisismo da era digital. Por fim, reiteramos a importância de uma valorização da singularidade e da criatividade, tanto na produção acadêmica quanto literária, sugerindo um diálogo mais amplo e acessível entre a sociedade não acadêmica e estudiosos de diferentes áreas do saber.
desrazões e destinatários na gênese de um diário
A proposta deste artigo, de natureza ensaística, é a de levantar reflexões acerca dos impulsos que perpassam a escrita de um diário pessoal, combinando memórias, hipóteses e leituras, de modo a pensar também em quem são os possíveis leitores do gênero e nas relações entre o Eu e o Outro que se fazem pelas palavras. Como corpus central de análise, dada a sua estrutura e conteúdo, foi utilizado o romance Luminol, de Carla Piazzi, e uma entrevista com a autora acerca das relações entre vida e obra existentes na narrativa; mas também relatos feitos por outros escritores sobre seus processos criativos e alguns conceitos da psicanálise. O artigo propõe ainda uma valorização da experiência, enquanto matéria para a criação, e se debruça sobre as dicotomias entre o mostrar-se e o esconder-se, o individual e o universal, o privado e o coletivo, a realidade e a fantasia; assim como sobre as estratégias, conscientes ou não, que utilizamos para dar algum sentido à existência e lidar com a multiplicidade, a dissociação e as inquietações que existem em cada um de nós. (p. 304-329)
Breve ensaio sobre “Josefine, a cantora, ou “O povo dos camundongos”, de Franz Kafka
O artigo analisa o conto "Josefine, a cantora, ou O povo dos camundongos" de Franz Kafka, destacando a singularidade da personagem Josefine e sua relação com o coletivo. Josefine transforma o simples assobio em arte, despertando admiração em seu povo, mesmo sem possuir uma voz extraordinária. Sua música transcende a técnica, criando um espaço de expressão e conexão coletiva, proporcionando momentos de pausa e transcendência em meio à dureza da vida. O texto explora as motivações de Josefine, como sua necessidade interna, generosidade, crença na arte como direito coletivo e resistência à massificação. Além disso, o artigo reflete sobre o paradoxo do desejo de Josefine: ela busca reconhecimento e singularidade, mas sua arte só existe plenamente na relação com o coletivo. Na obra de Kafka, Josefine é vista como uma metáfora para a luta do artista contra a indiferença e a homogeneização, buscando reconhecimento e contribuindo para a saúde social. Por fim, o texto destaca a arte como indispensável para o desenvolvimento humano, sendo um espaço de resistência e transformação, onde o ordinário pode se tornar extraordinário. (p. 105-121)