E vamos de mais lançamentos da @companhiadasletras! Normalmente não sou muito de ler chicklit ¹, mas antes que me acusem de esnobe, já adianto que é mera preferência estética, afinal esse tipo de narrativa quase sempre opta por focar um pouco mais no enredo e na construção de personagens (o que também é vital) do que no tratamento da linguagem - e ando curtindo cada vez mais a experiência de fruição dessa última.
No geral, acho essa história toda de preconceitos literários uma grande bobeira. Cada um que sabe das suas leituras, do que te desperta sensações e reflexões - e não vejo absolutamente nenhuma razão para não intercalar diferentes tipos de literatura. Um dos motivos pelos quais mergulhei em As nove vidas de Rose Napolitano, de Donna Freitas, foi porque os últimos livros que li foram muito densos e senti vontade de um ter respiro - coisa que em hipótese alguma me impediu de apreciar a história e refletir sobre aspectos da minha própria vida. Aliás, muito pelo contrário.
Adendo feito, vamos à resenha. O que me pegou de cara em As nove vidas de Rose Napolitano foi o tema central. Por uma dessas coincidências que não parecem fruto de algoritmos, mas de felizes acasos, no momento em que este romance me caiu em mãos, eu estava lendo Você tem filhos? - um livro de não ficção, fruto de uma pesquisa cujo subtítulo é "Como as mulheres vivem quando a resposta é não". Isso não significa que eu ande pensando muito na questão, mas nessa semana a esposa do meu cunhado deu à luz (bem-vinda a esse mundão, Ana Flávia!) e nas últimas semanas foi meio inevitável refletir a respeito. Não vamos nos perder com assuntos pessoais aqui, mas, sem nenhum julgamento de valor - por favor, mulheres, não julguem as escolhas de outras mulheres; pra isso já basta o patriarcado - minha resposta, desde sempre, foi: "Não tenho vontade".
Daí que quando recebi o romance e vi que esse era o assunto central, decidi que iria passá-lo na frente na lista de leituras. Em síntese, o negócio é o seguinte: Rose Napolitano nunca quis ter filhos e sempre deixou isso bem claro para o namorado, com quem acabou se casando. Acontece que depois de algum tempo, ele mudou de ideia; e é aí que a coisa complica. Como o próprio título anuncia, o romance trabalha com nove vidas alternativas, nas quais Rose Napolitano toma diferentes escolhas a partir de uma única cena em que o marido a acorda com um pote de vitaminas na mão e a acusa de não estar tomando os compridos que supostamente iriam ajudá-la a engravidar. Às vezes, basta um detalhe para alterar completamente o rumo da vida de Rose - o que, aliás, é bem legal.
Esse é um aspecto que destaco no romance. Embora eu tenha me perdido um pouco com as alternâncias das realidades paralelas da personagem (por alguma razão, a vida 6 me causou uma tremenda confusão e precisei ficar voltando a ela a todo momento para não misturar as coisas), a estrutura é bem interessante. Há momentos em que diferentes caminhos se tocam, assim como acontecimentos completamente opostos, mas em todos eles fica o questionamento: até onde vale a pena abrir mão de uma decisão desse grau de importância (ter x não ter filhos) para "salvar" um casamento?
Sabemos o quanto essa questão é recorrente. E também sabemos o quanto as mulheres que não querem ter filhos são julgadas, o quanto precisam escutar que "uma hora você vai mudar de ideia" (como se alguém fosse capaz de conhecer suas ideias melhor do que você mesma); "você está perdendo a experiência do maior amor do mundo" (como se essas mulheres tivessem algum defeito de programação amorosa); "você não é uma mulher completa, enquanto não tem filhos" (meu Deus, sem nem o que comentar); "você precisa dar continuidade à sua família" (será que um mundo de quase oito bilhões de pessoas realmente vai perder algo significativo com o fim da minha linhagem?); "você não ama seus pais?" (ué, o que tem a ver uma coisa com a outra?); "mas quem vai cuidar de você na velhice?" (sério que você está pensando em pôr uma vida no mundo pra isso?!); e várias, várias outras crueldades - sim, a palavra é essa mesmo - que romantizam a maternidade a níveis de grande cobrança; e que também desencadeiam uma exigência perversa em cima das mulheres que decidem ter filhos ou mesmo as que engravidam sem planejamento.
As nove vidas de Rose Napolitano toca em todas essas questões, apresentando diferentes pontos de vista, diferentes caminhos, que envolvem relacionamentos conjugais e familiares (leia-se: maridos, pais e sogros), decisões de carreira, cobranças, liberdade de escolha etc. E por tudo isso, deixo aqui meu saldo: sem dúvida, recomendo; tanto para quem tem ou não filhos, como para quem quer ou não optar por essa escolha - talvez uma das que mais irá afetar a vida de qualquer pessoa.
Mas e você, mulher que me lê? Como anda essa questão por aí? Me conte aqui embaixo nos comentários, ou deixe um coraçãozinho se tiver gostado da resenha. Sua interação me faz sentir que não estou falando para o além :)
(Aos meus leitores do sexo masculino, não estou proibindo ninguém de comentar nada. Perguntei primeiro às mulheres por razões óbvias).
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¹ O termo chicklit foi criado com um cunho pejorativo e significa algo como "literatura de mulherzinha". No entanto, a cada dia que passa, mais escritoras e leitoras têm se apropriado da palavra para afirmar a literatura escrita por mulheres ao invés de deslegitimá-la. Em outras palavras, é como se disséssemos: "Sim, foi uma mulher que escreveu e o público-alvo é majoritariamente feminino. E daí?"
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